Direito ao esquecimento no acesso ao crédito e contratos de seguros
Tema em foco 29 Novembro 2021
Lei n.º 75/2021, de 18 de novembro
Reforça o acesso ao crédito e contratos de seguros por pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, proibindo práticas discriminatórias e consagrando o direito ao esquecimento.
Altera, neste sentido, a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto e o Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
Assim, as pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência têm, na qualidade de consumidor, direito ao esquecimento na contratação de crédito à habitação e crédito aos consumidores, bem como na contratação de seguros obrigatórios ou facultativos associados a esses mesmos créditos.
Passa, assim, a garantir-se que estas pessoas não podem ser sujeitas a um aumento de prémio de seguro ou exclusão de garantias de contratos de seguro, que nenhuma informação de saúde relativa à situação médica que originou o risco agravado de saúde ou a deficiência pode ser recolhida ou objeto de tratamento pelas instituições de crédito ou seguradores em contexto pré-contratual e ainda que nenhuma informação de saúde relativa à situação de risco agravado de saúde ou de deficiência pode ser recolhida pelas instituições de crédito ou seguradores em contexto pré-contratual desde que tenham decorrido, de forma ininterrupta:
- 10 (dez) anos desde o término do protocolo terapêutico, no caso de risco agravado de saúde ou deficiência superada;
- 5 (cinco) anos deste o término do protocolo terapêutico, no caso de a patologia superada ter ocorrido antes dos 21 anos de idade;
- 2 (dois) anos de protocolo terapêutico continuado e eficaz, no caso de risco agravado de saúde ou doença mitigada
Este diploma, como já referido, vem proceder a alterações à Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, nomeadamente à alteração do conceito de “pessoas com risco agravado de saúde”, subtraindo as expressões “irreversível” e “sem perspetiva de remissão completa”.
No artigo 9.º, referente a contraordenações, passa a incluir-se nos seus n.os 1 e 2 a violação do acordo previsto no artigo 15.º - A do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aditado por este diploma, analisado infra.
Também o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril), sofre alterações.
O artigo 15.º, n.º 2 passa a fazer uma remissão para a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto.
O n.º 3 do artigo referido passa a dispor que “no caso previsto no número anterior, as práticas e técnicas de avaliação, seleção e aceitação de riscos próprias do segurador para efeitos de celebração, execução e cessação do contrato de seguro, que não estejam proibidas pelo artigo 15.º-A, estão sujeitas a supervisão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), devendo ser objetivamente fundamentadas, tendo por base dados estatísticos e atuariais rigorosos considerados relevantes nos termos dos princípios da técnica seguradora”.
O n.º 4 desse mesmo preceito é alterado de modo a dispor no seguinte sentido: “sem prejuízo do disposto no número anterior, em caso de recusa de celebração de um contrato de seguro ou de agravamento do respetivo prémio em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde, o segurador deve, com base nos dados obtidos nos termos do número anterior, prestar ao proponente, sem dependência de pedido nesse sentido, informação sobre o rácio entre os fatores de risco específicos e os fatores de risco de pessoa em situação comparável mas não afetada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde, nos termos dos n.os 3 a 6 do artigo 178.º”.
Acrescenta-se ainda um n.º 10 ao artigo 15.º, que proíbe práticas que discriminem entre a saúde física e mental ou psíquica na celebração, execução e cessação do contrato de seguro.
O artigo 217.º do diploma passa a referir-se ao risco coberto “de forma proporcional” e acrescenta a obrigação de manutenção de prestações de outros cuidados de saúde relacionados com a doença manifestada.
É aditado, como já foi referido, um artigo 15.º-A, que prevê um Acordo Nacional de Acesso ao Crédito e Seguros.
Nos termos deste preceito, o Estado deve celebrar e manter, com as associações setoriais representativas de instituições de crédito, sociedades financeiras, sociedades mútuas, instituições de previdência e empresas de seguros e resseguros, bem como organizações nacionais que representam pessoas com risco agravado de saúde, pessoas com deficiência e utentes do sistema de saúde, um acordo nacional relativo ao acesso ao crédito e a contratos de seguros por parte de pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência.
Este acordo terá como objeto assegurar o acesso sem discriminação ao crédito à habitação e ao crédito aos consumidores por parte de pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência e que as instituições de crédito ou sociedades financeiras tenham em conta os direitos, liberdades e garantias dessas mesmas pessoas, definir categorias específicas de dados e informações que possam ser exigidas e operações de tratamento desses mesmos dados e informações e das suas garantias de sigilo e orientações gerais relativamente à informação a divulgar obrigatoriamente nos sítios da Internet das contrapartes do Estado neste acordo e, ainda, desenvolver um mecanismo de mediação entre os seguradores e as instituições de crédito e as pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência.
Têm direito a beneficiar deste acordo todas as pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, com exceção das que beneficiem do regime de concessão de crédito bonificado à habitação a pessoa com deficiência (aprovado pela Lei n.º 64/2014, de 26 de agosto).
Este acordo aplica-se a todas as instituições de crédito, sociedades financeiras creditícias, sociedades mútuas, instituições de previdência e empresas de seguros e resseguros que exerçam atividade em território português.
Deve ser cumprida a proibição de recolha de determinada informação médica relacionada com situação de risco agravado de saúde ou de deficiência em contexto pré-contratual, sem prejuízo de serem determinados termos e prazos mais favoráveis ao consumidor para além dos quais as pessoas nessa situação têm direito ao esquecimento.
É definido um procedimento de fixação de uma grelha de referência que permita estabelecer os termos e prazos referidos para cada patologia ou incapacidade, em linha com o progresso terapêutico, os dados científicos e o conhecimento sobre o risco de saúde, de crédito ou segurador que cada patologia ou incapacidade represente. Esta grelha de referência deve ser atualizada a cada dois anos e é pública, devendo o Estado publicá-la nos sítios de Internet relevantes.
Os requerentes de contratos de crédito ou de seguro são informados das disposições do direito ao esquecimento e dos termos deste acordo, em formato e linguagem inteligível para não especialistas, a definir pelo Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) em ficha de informação normalizada, devendo o requerente assinar que tomou conhecimento dessas disposições.
O acordo em causa pode convencionar um mecanismo de pooling dos custos adicionais decorrentes da contratação de seguros ou créditos com pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco de saúde agravado ou de deficiência, sendo este implementado e financiado exclusivamente pelas instituições privadas.
O referido acordo é obrigatoriamente sujeito a parecer preliminar da Comissão Nacional de Proteção de Dados e da Direção-Geral da Saúde e publicado em Diário da República e nos sítios da Internet dos seus signatários.
Na falta de acordo ou na circunstância da sua renúncia, resolução, não prorrogação ou não renovação, as matérias que este deveria abranger são definidas por decreto-lei, após consulta à Comissão Nacional de Proteção de Dados, à Direção-Geral da Saúde e ao CNSF.
A competência para fiscalizar o cumprimento do acordo ou do decreto-lei referidos, no que respeita aos contratos de crédito e aos contratos de seguros, pertence ao Banco de Portugal e à ASF.
A apresentação ao Ministério das Finanças e à Assembleia da República de um relatório bienal de acompanhamento da execução dos instrumentos reguladores em causa é da competência do CNSF.
É, ainda, aditado um artigo 15.º-B, referente a situações equiparadas, que vem incluir, nas situações abrangidas no acordo, as pessoas que superaram situações de risco agravado e que, apesar de terem comprovadamente cessado a fase de tratamentos ativos, ainda tenham de realizar tratamentos coadjuvantes. Os prazos para o direito ao esquecimento aplicam-se com as devidas adaptações à informação referida na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho.
O Governo, no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, deve regulamentar a prestação de cuidados de saúde relacionados por parte do segurador cessante, nos termos do artigo 217.º do regime jurídico do contrato de seguro, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril.
Este diploma entra em vigor a 1 de janeiro de 2022.
A leitura deste resumo não dispensa a consulta e leitura do diploma legal em causa no Diário da República.